Eduardo Massad diz que próxima pandemia depois de coronavírus deve ser avassaladora e defende que o mundo aprenda mais sobre medidas de distanciamento social. A crise gerada pelo novo coronavírus mudou profundamente o modo de vida contemporâneo no mundo todo — com consequências que ninguém sabe ainda dizer quanto tempo durarão. Mas pode ser que a covid-19 não seja a pandemia mais grave a atingir a humanidade nos próximos anos. “Acho que a pandemia do novo coronavírus está mais para um ensaio geral da big one (a maior, ou a grande pandemia), essa sim uma pandemia que pode matar bilhões”, diz Eduardo Massad.
Para ele, a peste negra passou perto disso, até mais que a gripe espanhola, pelo impacto demográfico que causou na Europa. Da covid-19, diz, a sociedade tirará lições fundamentais de distanciamento social e, especialmente, pesquisas sobre como se comporta essa doença respiratória, algo essencial contra a possível “grande gandemia” futura. Na avaliação de Massad, uma vacina precisaria estar previamente à mão contra a próxima epidemia, porque ela provavelmente também atacaria os pulmões, porém de forma avassaladora.
Veja trechos da entrevista:
BBC News Brasil – O que seria a ‘Grande Epidemia’?
Eduardo Massad – A Grande Epidemia seria uma pandemia de proporções catastróficas que poderia matar algo como 2 bilhões de pessoas no mundo em um ano. Ela causaria uma queda significativa na expectativa de vida da humanidade: da média atual de 72 anos para aproximadamente 58 anos. Essa possibilidade existe e se baseia, em parte, em eventos históricos como a peste negra Estima-se que, em menos de três anos, essa infecção tenha matado entre 30% e 60% da população da Europa. No total, pode ter reduzido a população mundial de 475 milhões para 350 milhões no século 14. A população europeia demorou cerca de 200 anos para retomar o nível anterior e algumas regiões, como Florença, recuperaram o patamar apenas no século 19.
BBC News Brasil – Por que a certeza (ou a presunção) de que haverá uma epidemia ainda maior que esta? Quais os sinais, circunstâncias ou evidências que fazem com que o sr. e outros cientistas prevejam isso?
Massad – Não há no momento evidências que indiquem o possível aparecimento de uma doença com impacto maior que a covid-19. O que há são indícios baseados na sequência histórica de aparecimento de infecções com altas taxas de letalidade, principalmente nos últimos 20 anos. A presunção da ocorrência de uma pandemia maior que a atual tem também como base a possibilidade teórica de mutações de vírus de transmissão respiratória a partir de cepas zoonóticas como o H5N1. gripe aviária), com letalidade maior que 50%, e que poderiam, dadas as condições de alta interação com animais infectados em alguns locais, passar a ser transmitidos entre humanos.
BBC News Brasil – Que tipo de organismo transmitiria a Grande Epidemia?
Massad – Seria um vírus respiratório de RNA com elevadas taxas de mutação e adaptabilidade, grande letalidade, alta taxa de contágio e transmitido diretamente de pessoa para pessoa, um conjunto particular de características. Normalmente, quanto maior a letalidade de uma doença, menor sua capacidade de se espalhar. Isso porque, para se espalhar, ela precisa manter as pessoas infectadas por um período suficientemente longo. Se mata muitas pessoas, joga (fora) o bebê com a água do banho, como se diz. Provavelmente seria uma zoonose, uma doença que tenha sofrido uma mutação num animal e passasse a se transmitir entre humanos. E seria por via respiratória, exatamente como o coronavírus atual. Acho que a existência de um reservatório animal pioraria esse quadro e aumentaria o perigo. Haveria um “depósito” de vírus representado, por exemplo, por ratos, aves e morcegos, que se espalharia para a população humana pelo fato de convivermos com eles ou até por nos alimentarmos deles.
BBC News Brasil – O que o leva a crer, neste momento, que a covid-19 não é a Grande Epidemia, e sim um ensaio geral?
Massad – Com base em projeções de modelos matemáticos, não acredito que o número de mortes passe de 1 milhão ao cabo de toda a covid-19. Isso ainda não é suficiente para ter um impacto significativo na expectativa de vida da humanidade, frente a um total de aproximadamente 60 milhões de mortes anuais no mundo decorrentes de todas as outras causas.
BBC News Brasil – Que ensinamentos a pandemia atual pode trazer para evitarmos a Grande Epidemia?
Massad – Acho que a principal lição desta epidemia são os ensinamentos de como implementar medidas de distanciamento social. Além disso, vários mecanismos sobre a patogenicidade do coronavírus, os mecanismos de desenvolvimento da doença, serão úteis no enfrentamento de outros vírus respiratórios com vistas à produção de uma vacina, por exemplo…. –
BBC News Brasil – O que o senhor mais teme em relação à pandemia de coronavírus?
Massad – Eu dividiria minhas preocupações entre imediatas e de médio e longo prazo. Além, é claro, do total de mortos ao final da pandemia, minha preocupação imediata é como faremos para relaxar as medidas de distanciamento social. A China está enfrentando grande dificuldade na tentativa de romper o isolamento. Será que conseguiremos voltar à vida normal? Já minhas preocupações de médio e longo prazo dizem respeito aos efeitos econômicos das medidas de distanciamento e dos impactos sobre a saúde mental das populações atingidas por elas. À ansiedade pelo medo da doença somam-se os efeitos de uma quarentena. Os efeitos dessas medidas só serão conhecidos mais adiante. Finalmente, temo que a imunidade pós-exposição não seja permanente, ou seja, pessoas que tenham tido a doença possam readquiri-la mais tarde.
Fonte: UOL